quarta-feira, 30 de junho de 2010

Descrevendo-se ela me descreveu

É assim todo dia. Toda vez que ouço a sirene de uma ambulância. Sentada ao volante do carro, parado ou não, ao ouvir uma sirene me lembro daquela que eu sabia ser em vão. [...] Lembro dessa burrice bonita de que é feita a última esperança. Lembro de insistir em não acreditar no que meus olhos gritavam para eu ver. [...] Eu me lembro de lembrar do medo e, então, tudo fazer sentido. De uma vontade de estar errada, como das outras vezes. [...]
Diante de mim o silêncio e a não explicação. No pensamento, sonhos que eu não admitia mortos também. Atrás de mim uma despedida que não foi. [...] Lembro da dor de pensar que nunca mais haveria resposta. Lembro de um desespero e de voltar atrás na tentativa de não acreditar. Para que não me faltasse o ar. Um turbilhão de pensamentos rápidos envoltos por um mundo parado. Como se eu não respirasse, embora eu respirasse. Como se o meu coração também tivesse parado de repente. [...]
Lembro de imaginar a suavidade violenta que deve ter sido aquele segundo entre o estar e o não estar mais. Lembro de um silêncio agudo que ainda insistia. [...] E de ainda conferir, como se a qualquer momento a vida pudesse mudar de ideia, como se alguém estivesse prestes a desfazer aquela brincadeira de mau gosto. Eu me lembro de não entender. [...]
Eu me lembro de uma lembrança que sempre volta urgente. Já faz mais de um ano, eu ainda me lembro e acho que nunca vou esquecer.
(Cristiana Guerra)

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